domingo, 13 de dezembro de 2009

Em busca da espiritualidade

(13/12/2009)


Há uns dias atrás tentei seriamente às palavras da minha avó Júlia, à saída do cinema, quando ela comentava o movimento que a série Twilight havia formado.

A minha avó, que outrora já foi professora de História no Secundário e que actualmente é professora de vida aos seus netos que a tanto estimam, explicou-me que o ser humano nasceu para se agarrar a causas e convicções, e que tem um especial fascínio pelas que se desenrolam no campo do místico, do esotérico.

Por fases, demonstrou-o com as pinturas nas cavernas, o poder das religiões e etc...

Disse-me que as religiões foram perdendo força com o avançar dos tempos, mas que as pessoas continuavam a precisar da sua fórmula e que o resultado estava nos milhares de movimentos religiosos, espiritualistas e seitas que se multiplicaram no nosso século.

Realmente, é possível sentir uma certa mística, uma certa emoção quando vemos as pessoas unidas à mesma causa. As pessoas sentem-se úteis, sentem-se com propósitos de vida. As claques de futebol, as igrejas, as bandas, o cinema, os grupos ambientalistas, os partidos políticos e etc. são ao prova disso mesmo.

São estas convenções que fazem as pessoas sentir-se pessoas.

Tiago Assis Vilarinho

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Um sistema bem desenhado

(04/12/2009)


Muitas vezes ouço dizerem-me "Tens que relaxar!", "Lá vem o filosofo, trazes um bloco de notas para todo o lado!", "És extremamente racional" e "Assim não curtes nada".

Eu não posso ser mentiroso ao dizer que estou fora do sistema. Eu estou bem dentro dele e não consigo sequer parecer que não, há pessoas que o fazem bem melhor que eu. Cumpro largamente o papel de jovem do século XXI e estou tão podre como o resto da sociedade.

Porém, às vezes sinto algo querer sair de mim...

Quando idealizo esta teoria de sistema manipulador que as pessoas tanto gostam de criticar parece que vejo provas empíricas de que ele é uma realidade em todo o lado.

Diariamente vejo as pessoas andarem como se de Robots humanos se tratassem. Caminhando como formigas atarefadas, cada um com as suas capacidades, cada um com a sua classe, cada um com o seu trabalho diferente. Todas estas pessoas contribuem para a manutenção de um sistema que parece compensar quem para ele contribui. As pessoas queixam-se da rotina sem fazerem muito bem a ideia do que isso possa sequer ser. Fazem este quotidiano por necessidade imposta, e sentem-se realizadas porque é o sistema que as manipula nesse sentido.

Mas o pior é quando chega a recompensa: A quebra da rotina, o lazer, os tempos livres. As pessoas talvez ainda sejam menos humanas durante estas pausas na sua emocionante aventura, cheia de propósitos, que é a vida. Quando têm oportunidade para fugir ao sistema as pessoas fazem-no da maneira mais degradante possível. É a vez dos vícios, das tentações e das ilusões. As pessoas cedem a elas, na parte, ou no todo, porque pensam que é justificável a sua cedência pelo facto de existir um sistema que as desgasta e compensa. O ser humano destrói-se a si próprio e não vejo nenhum animal fazer o mesmo.

Os valores humanos vão sendo cada vez mais estranhos, e as pessoas nem percebem isso, mas as suas reacções àquilo que parece diferente mas é no fundo mais natural, mais antigo, é óbvia. Não sei porque caminho vai a humanidade e não pronuncio a mais ténue linha de felicidade nesse sentido. Mas nada derruba algo tão bem desenhado, tão bem estruturado, e com tanto tempo de teste a aplicação...

Ora a questão que é uma luta em mim todos os dias, a questão que provavelmente está na origem de tudo é: Vale a pena lutar contra o sistema? E depois? O que se faz?

Não há de todo resposta a estas questões e a solução mais prática e racional passa por optarmos por sermos irracionais. Vamos entrar no sistema e viver ao máximo as suas emoções fortes. Vamos estourar-nos todos e contribuir para a ridicularidade que é a singularidade das nossas vidas. Vamos deixar de ser racionais e viver cada milésima de segundo como se não houvesse amanhã, porque, de facto, não há amanhã e portanto não vale a pena fazer nada contra isso.

"Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão !
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando !

Ah, poder ser tu, sendo eu !
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso ! Ó céu !
Ó campo ! Ó canção ! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve !
Entrai por mim dentro !
Tornai Minha alma a vossa sombra leve !
Depois, levando-me, passai !"

"Ela canta pobre ceifeira", de Fernando Pessoa

Tiago Assis Vilarinho