sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Um sistema bem desenhado

(04/12/2009)


Muitas vezes ouço dizerem-me "Tens que relaxar!", "Lá vem o filosofo, trazes um bloco de notas para todo o lado!", "És extremamente racional" e "Assim não curtes nada".

Eu não posso ser mentiroso ao dizer que estou fora do sistema. Eu estou bem dentro dele e não consigo sequer parecer que não, há pessoas que o fazem bem melhor que eu. Cumpro largamente o papel de jovem do século XXI e estou tão podre como o resto da sociedade.

Porém, às vezes sinto algo querer sair de mim...

Quando idealizo esta teoria de sistema manipulador que as pessoas tanto gostam de criticar parece que vejo provas empíricas de que ele é uma realidade em todo o lado.

Diariamente vejo as pessoas andarem como se de Robots humanos se tratassem. Caminhando como formigas atarefadas, cada um com as suas capacidades, cada um com a sua classe, cada um com o seu trabalho diferente. Todas estas pessoas contribuem para a manutenção de um sistema que parece compensar quem para ele contribui. As pessoas queixam-se da rotina sem fazerem muito bem a ideia do que isso possa sequer ser. Fazem este quotidiano por necessidade imposta, e sentem-se realizadas porque é o sistema que as manipula nesse sentido.

Mas o pior é quando chega a recompensa: A quebra da rotina, o lazer, os tempos livres. As pessoas talvez ainda sejam menos humanas durante estas pausas na sua emocionante aventura, cheia de propósitos, que é a vida. Quando têm oportunidade para fugir ao sistema as pessoas fazem-no da maneira mais degradante possível. É a vez dos vícios, das tentações e das ilusões. As pessoas cedem a elas, na parte, ou no todo, porque pensam que é justificável a sua cedência pelo facto de existir um sistema que as desgasta e compensa. O ser humano destrói-se a si próprio e não vejo nenhum animal fazer o mesmo.

Os valores humanos vão sendo cada vez mais estranhos, e as pessoas nem percebem isso, mas as suas reacções àquilo que parece diferente mas é no fundo mais natural, mais antigo, é óbvia. Não sei porque caminho vai a humanidade e não pronuncio a mais ténue linha de felicidade nesse sentido. Mas nada derruba algo tão bem desenhado, tão bem estruturado, e com tanto tempo de teste a aplicação...

Ora a questão que é uma luta em mim todos os dias, a questão que provavelmente está na origem de tudo é: Vale a pena lutar contra o sistema? E depois? O que se faz?

Não há de todo resposta a estas questões e a solução mais prática e racional passa por optarmos por sermos irracionais. Vamos entrar no sistema e viver ao máximo as suas emoções fortes. Vamos estourar-nos todos e contribuir para a ridicularidade que é a singularidade das nossas vidas. Vamos deixar de ser racionais e viver cada milésima de segundo como se não houvesse amanhã, porque, de facto, não há amanhã e portanto não vale a pena fazer nada contra isso.

"Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão !
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando !

Ah, poder ser tu, sendo eu !
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso ! Ó céu !
Ó campo ! Ó canção ! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve !
Entrai por mim dentro !
Tornai Minha alma a vossa sombra leve !
Depois, levando-me, passai !"

"Ela canta pobre ceifeira", de Fernando Pessoa

Tiago Assis Vilarinho

5 comentários:

  1. Gosto desta tua faceta Tiago, atrevo-me a dizer que cada vez gosto mais da ideia de criar um sítio onde possa expôr o que me vem na cabeça. Às vezes faz-me falta.
    Deopis do twitter, mais coisas virão xD

    Filipa Ruela

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  2. isto está mais para ricardo reis!

    Ines

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  3. Existe um F.P. que olha para ti como se fosses a ceifeira. Há sempre alguém que tu gostarias de ser, sendo tu próprio. Há sempre alguém que gostaria de ser tu, sendo ela própria.

    Ser racional é bom e é mau. Ser X, é bom e é mau. Mas claro que estas são apenas as minhas teorias. No entanto penso que todos concordam quando digo que temos apenas de gostar de como somos, mesmo sendo um cliché.

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  4. Claro meu.. Temos lutar contra o sistemaa"""

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